Por Fabio Cerqueira
Caça às “palavras-bruxas” empobrece debate político e proteção do cidadão
No último dia 12 de janeiro, nos Atos Oficiais da Prefeitura Municipal de Valinhos, foi publicada a Lei Municipal nº 6.578/2024, que “institui o Programa Municipal de Promoção da Cultura de Paz e Combate à Violência em Ambientes Públicos e dá outras providências”, que traz uma série de diretrizes importantes para a criação de políticas públicas de combate à violência em nosso município. Sabemos, no entanto, que políticas públicas de promoção da paz estão longe de ser prioridade para a atual administração, alinhada ideologicamente à prática da repressão para o combate à violência.
Indagado por um amigo, decidi pesquisar o histórico da aprovação da referida Lei, e, não surpreso, verifiquei que se repetiu algo que tem sido corriqueiro na atual legislatura: o projeto, de autoria do vereador Marcelo Yoshida, recebeu uma emenda, assinada por outros cinco vereadores, retirando do texto as menções às palavras “gênero” e “diversidade”. Não fiz uma pesquisa profunda, mas sou capaz de apostar que nenhuma legislação criada durante essa última gestão contém uma dessas duas palavras sendo utilizadas associadas aos direitos humanos e sociais.
A polarização política presente no mundo todo nesta última década colocou no centro do debate as chamadas “pautas morais”, que, por sua vez, fizeram surgir uma caçada implacável feita por políticos conservadores contra… palavras! Palavras essas que carregam consigo seus significados semânticos e que são importantes para o desenvolvimento de políticas públicas e para a formação integral dos indivíduos. Palavras que não pertencem a um só campo político, que têm base nas mais modernas pesquisas em ciências humanas e sociais, e estão presentes nas políticas de desenvolvimento social em todo o planeta. A quem interessa, então, suprimir palavras do vocabulário de nossa população?
Mais perigoso se torna esse processo quando o ataque às palavras e conceitos atinge nossas escolas, impactando diretamente na construção do conhecimento e das relações sociais de nossas crianças, deixando marcas profundas que podem levar anos para cicatrizarem. Nesse sentido, Valinhos já viu nascer algumas vezes embriões de projetos como o “Escola sem Partido”, que na prática ataca a liberdade de cátedra e leva a perseguição política às salas de aula. A perseguição aos professores que pautam questões sociais em sala de aula baseada em projetos como esse já não é novidade em nossa cidade.
Talvez seja coincidência, mas os números apresentados pela plataforma IBGE Cidades (https://cidades.ibge.gov.br/) mostram um declínio nos índices de desenvolvimento da educação básica em Valinhos entre os anos de 2019 e 2021, últimos anos da série histórica, e que coincide com o aprofundamento do processo de ataque à liberdade de cátedra em nossas escolas. Nos primeiros anos do ensino fundamental público o índice caiu de 6,5 para 6,2. Já nos anos finais, o índice que era de 5,7 caiu para 5,4. Para finalizar, no ensino médio o índice também caiu, de 4,9 para 4,6. A pandemia de Covid-19 pode até ter ajudado a piorar os números, mas olhando para os municípios vizinhos de Campinas e Vinhedo, a mesma tendência é observada apenas nos anos iniciais do ensino básico, enquanto nos outros períodos as tendências variam, deixando evidente a influência da gestão municipal nesta queda.
Fabio Cerqueira é gestor e produtor cultural, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-Campinas, Especialista em Cultura e Educação pela FLACSO Brasil e Mestrando no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais da Unicamp.