Por Fabio Cerqueira*
Quase dois meses após moradores do Jardim Eliza publicarem um abaixo-assinado em defesa da Casa de Capoeira, a situação do espaço cultural segue indefinida. O impasse envolve a Secretaria da Cultura e Turismo e a Secretaria da Família e da Mulher, responsáveis, respectivamente, pela promoção das atividades culturais e pela gestão dos Centros Comunitários da cidade.
Conforme revelado pelo Pé de Figo em 28 de fevereiro, a realização das aulas de capoeira promovidas pelo Centro Cultural da Secretaria da Cultura e Turismo, além de outras atividades socioculturais que aconteciam no Centro Comunitário do bairro, foram interrompidas pela gestão municipal sob a alegação de que o espaço passaria por processo de regularização de seu funcionamento por parte da Secretaria da Família e da Mulher (SFM). Após repercussão negativa, a Secretaria garantiu a continuidade de todas as atividades, porém, conforme apurado pelo Pé de Figo, apenas na última semana as duas secretarias envolvidas deram aval para que as aulas de capoeira voltassem para o espaço.
Contudo, uma nova ordem foi dada pela SFM para a retirada de todos os materiais que se encontram no local, segundo o coordenador da Casa da Capoeira, Ronaldo Lopes. Entre os itens estão tapetes de linóleo — que garantem a segurança dos alunos durante as aulas —, utensílios de cozinha doados por moradores e objetos de grande valor simbólico para a prática da capoeira.
“Esses materiais não são acessórios, são parte essencial da identidade e segurança da Casa da Capoeira”, afirma Ronaldo. Ele destaca ainda que os utensílios de cozinha são usados para alimentar crianças atendidas pelas ações sociais do espaço.
A situação levanta questionamentos sobre o cumprimento da legislação municipal. A organização dos Centros Comunitários de Valinhos é regida pelo Decreto nº 4.659/1997, que “dispõe sobre o Regulamento dos Centros Comunitários do Município”, alterado pelo Decreto nº 6.496/2006. A norma determina em seu Artigo 3º que devem ter prioridade “as atividades promovidas pela Administração Municipal”. O parágrafo único do Art. 4º é ainda mais claro: “Os Centros Comunitários utilizados para o desenvolvimento de programas e projetos com ações continuadas da Administração Municipal que atendam à demanda e aos interesses da comunidade não comportarão outras atividades”.
Como a Casa da Capoeira é uma iniciativa vinculada à Secretaria da Cultura e Turismo e atende diretamente à comunidade local, sua permanência no espaço deveria ser, portanto, assegurada pelas normas vigentes.
Histórico de resistência comunitária
A Casa da Capoeira foi criada em 2023 por iniciativa do professor Ronaldo Lopes, com apoio da Secretaria da Cultura. O espaço, até então abandonado e em condições precárias, foi revitalizado por meio de mutirões liderados por moradores do bairro, coordenados por Ronaldo e Cássia Cavalheiro. Desde então, o local passou a receber não apenas aulas de capoeira, mas também oficinas culturais e ações comunitárias que fortaleceram a comunidade do Jd. Eliza.
A ameaça de interrupção das atividades gerou ampla mobilização popular. O abaixo-assinado organizado pelos moradores reivindicando a continuidade do projeto já reúne quase 1.100 assinaturas. Ainda assim, a Casa da Capoeira permanece sob constante incerteza, aguardando uma posição definitiva da administração municipal.
Em 2018 a capoeira foi tombada como Patrimônio Histórico Imaterial de Valinhos, em decisão formalizada pela Portaria 001/2018 do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural da cidade (CONDEPAV). Em 2024, a Lei nº 6.648/24 incluiu no Calendário Oficial do Município de Valinhos o Dia do Capoeirista e do Mestre de Capoeira, comemorado no dia 03 de agosto. O abaixo-assinado pode ser acessado AQUI.

*Fabio Cerqueira é gestor e produtor cultural, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-Campinas, Especialista em Cultura e Educação pela FLACSO Brasil e Mestrando no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Unicamp. Presidente do PSOL Valinhos.

