Por Caio Possati Campos
Era uma vez um homem.
Um capitão que, em um dia de 1987, supostamente, elaborou um plano para explodir bombas em unidades militares do Rio de Janeiro para reivindicar aumento do soldo.
Em 1989, depois de ter ido para a reserva do Exército, o mesmo homem trocou os quartéis pela política e se elegeu vereador na capital fluminense.
Não contente, o homem queria mais. E, no ano seguinte, foi eleito deputado federal e chegou ao Congresso Nacional.
Foi nessa condição que, certa vez, em uma entrevista, este mesmo homem declarou ser a favor da tortura e disse que era necessário matar 30 mil pessoas, incluindo então presidente, FHC, por meio de uma guerra civil.
“Se morrer inocente, tudo bem!”, disse.
Para um improdutivo Deputado Federal, sua fama cresceu escorada em algumas declarações:
Sobre gays, afirmou que homossexualismo era passível de ser corrigido com “um coro na infância”, e garantiu que seu sangue “era mais puro do que o de um ‘viadinho’”.
Sobre negros, garantiu que seus filhos não se apaixonariam por uma negra “porque tiveram boa educação” e que não voaria em um avião pilotado “por um cotista”.
Não poupava nem as mulheres.
Foi condenado a indenizar uma colega deputada por ter dito que “ela não mereceria ser estuprada por ser feia”. Não antes de tê-la chamado de “vagabunda” e ameaçado-a fisicamente: “Se der uma te dou outra”, disse com a mão erguida.
Em 2016, votou pelo Impeachment citando covardemente o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores e mais frios torturadores da Ditadura Militar. “O carrasco de Dilma Rousseff”, falou aos berros em plena Câmara dos Deputados.
Só que, curiosamente, este homem foi ganhando prestígio.
E resolveu se candidatar à presidência da República.
Foi o único presidenciável a se omitir após a execução de Marielle Franco, limitando-se a dizer que seu posicionamento era “polêmico demais para ser manifestado”.
E se Marielle morreu com o tiro de uma arma de um miliciano, grupo pelo qual este homem tem tanto apreço, era este o principal símbolo de sua campanha.
Fazendo uma muleta de fuzil, chegou ameaçar seus adversários durante a corrida eleitoral: “expulsá-los” e “metralhá-los”.
Mesmo assim, 57 milhões de pessoas acreditaram que ele era a pessoa certa para governar o Brasil e o elegeram presidente da República.
Foi apelidado de “mito” pelos seus seguidores.
Só que antes mesmo de assumir, devastou o Programa Mais Médicos, desprotegendo mais 63 milhões de brasileiros em situação de pobreza de uma saúde pública e básica.
Já presidente, o homem, quem muitos acreditavam que se portaria na posição de estar no cargo mais importante do país, continuou:
– “Quem quiser vir para fazer sexo com uma mulher, fique à vontade” – sobre a vinda gringos ao Brasil no Carnaval.
– “No Brasil não se passa fome” – ignorando os mais de 7 milhões de brasileiros em estado de insegurança alimentar.
– Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele” – disse para o jurista Felipe Santa Cruz que, quando criança, perdeu o pai, Fernando Augusto Santa Cruz, para a Ditadura.
– “Se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 73, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba” – respondeu a Michelle Bachelet, que também teve o pai torturado e morto pelo regime militar.
Demonstrou ignorância e desprezo pelas Ciências, ao afastar Ricardo Galvão da presidência do INPE, por considerar que os dados sobre o desmatamento na Amazônia “eram falsos” e jogou no colo das ONGs a responsabilidade pelos crimes ambientais.
E fez o mesmo ao acusar o Greenpeace pelo derramamento de óleo nas praias litorâneas, uma crise que o Governo Federal começou a dar atenção só depois de 40 dias do início do desastre.
Como demorou para pronunciar depois de Evaldo dos Santos, negro e inocente, ser morto com 80 tiros disparados pelo exército, no começo do ano passado. “Foi um incidente”, disse três dias depois.
À imprensa, já mandou várias que deixariam até uma criança de 10 anos envergonhada. “Pergunta para sua mãe” ou “Você tem cara de homossexual terrível”, são algumas amostras.
Mas nenhuma chega aos pés da infeliz frase que a jornalista Patrícia Campos Mello, que investigou um escândalo de disparo de mensagens falsas pela campanha do então presidente durante as eleições, teve que escutar: “Ela queria dar ‘o furo’ contra mim”, disse o homem mais importante e infantil do Brasil.
Mais recentemente, o mesmo homem convocou simpatizantes para irem às ruas declarar guerra ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, além de permitir, por decreto, que empresas deixassem de pagar quatro meses de salários aos empregados em meio à crise do novo Coronavirus – medida já revogada.
Mesmo que seja difícil escolher qual seria o pior já feito por este homem, sua insanidade atingiu um novo grau no mais recente capítulo de hoje.
Indo na contramão de todas as recomendações e movimentos globais, no mesmo dia em que os Jogos Olímpicos foram adiados, este homem pediu irresponsavelmente, no horário mais nobre da televisão brasileira, para que as pessoas voltassem as suas rotinas pelo bem da economia.
Reduziu uma pandemia, que contaminou centenas de milhares, matou quase 20 mil, colapsou sistemas de saúde, desertificou capitais e paralisou as maiores economias do mundo, a uma “gripezinha”.
Jair Bolsonaro, por hoje e por tudo que já disse e fez, não se enquadra em nenhuma categoria política, ideológica ou linha econômica.
Bolsonaro opera pela lógica da psicopatia e injeta sua perversidade nas principais decisões para o país e para seu povo.
Para Bolsonaro, que se lambuza do sofrimento de seus inimigos, a destruição é a ordem.
Este filme de terror que está em curso já tinha roteiro escrito. (Basta ver o currículo que nosso presidente porta).
Não foram poucos os que avisaram.
Mas nem o mais pessimista iria imaginar que a conta chegaria com o desprezo de muitas vidas e a produção de muitas mortes.
E são dessas mãos cheias de sangue que repousa, aflito, o futuro de muitos brasileiros.
Era uma vez um mito que está nos matando.