Por Gabriel de Sousa Vieira, psicólogo social
As notícias publicadas no final do ano de 2024 anunciavam os planos do Governo Estadual para o fechamento de turmas do ensino médio noturno e de turma do EJA – Educação de Jovens e Adultos, antes conhecido como supletivo. A justificativa do secretário de educação se baseia em baixa demanda.
O movimento que já vinha acontecendo ao longo dos últimos anos parece de fato começar a afetar a vida da população jovem. Valinhos, neste momento, não possui turmas de 1º ano do ensino médio em período noturno, e as vagas para os outros anos também são limitadas. Desta maneira, os adolescentes que planejam ingressar no mercado de trabalho através de iniciativas como o Jovem Aprendiz, por exemplo, se encontram sem alternativa.
Em relação a turmas de 1º ano, há a alegação de que se trata de alunos com idade abaixo de 16 anos, e que pela legislação só podem trabalhar 4 horas por dia, logo, poderiam conciliar o trabalho e o estudo no período diurno. Na prática, isto limita ainda mais as possibilidades de início da vida profissional destes alunos, que já enfrentavam dificuldades devido a ampliação do ensino integral. As escolas que possuem vagas noturnas para os 2º e 3º ano do ensino médio só concedem as vagas para os alunos que apresentam a declaração de trabalho. No entanto, a maioria das empresas só oferece as oportunidades para os alunos que comprovem a possibilidade de continuarem estudando, como garantia para não infringirem nenhuma lei trabalhista ou do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
O que resta é a falta de opção para os jovens que querem adquirir experiência profissional ou contribuir financeiramente com suas famílias. As reclamações de adolescentes e de familiares se multiplicam nas redes sociais.
O que a lei diz sobre o tema?
O artigo 208 da Constituição Federal aponta que o “Estado deve garantir a oferta do ensino noturno adequado às necessidades do aluno. Em caso de não-oferecimento desse ou sua oferta irregular, a autoridade competente será responsabilizada”.
O ECA, em seu artigo 54, diz que se faz necessário “assegurar ensino fundamental gratuito para os estudantes que não tiveram acesso na idade própria e ofertar ensino noturno para adolescentes trabalhadores”
Já o artigo 4º da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional cita “é dever do Estado garantir a oferta de ensino noturno adequado às condições do aluno, assim como ofertar o ensino para jovens e adultos, garantindo que os trabalhadores tenham condições de acesso e permanência escolar”. Ou seja, há amplo referencial legal que assegura o direito dos adolescentes ao ensino noturno.
Outras questões
Outro ponto esquecido pelo poder público é a lei federal 13.935/2019, sancionada pelo ex-presidente Jair Messias Bolsonaro em dezembro de 2019, que torna obrigatória a contratação de psicólogos e assistentes sociais nas escolas públicas de ensino básico. No entanto, 5 anos depois, ainda não se tornou realidade na grande maioria dos estados e municípios.
No Estado de São Paulo, foi aprovado projeto de lei 637/2023, de autoria dos deputados Paulo Fiorillo (PT) e Mônica Seixas (PSOL), que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. O texto foi levado para votação após a morte da professora Elisabeth Tenreiro, esfaqueada por um aluno durante um atentado na escola em que lecionava. No entanto, o governador Tarcísio de Freitas vetou o projeto em setembro de 2023.
O tema foi discutindo em 2023, momento em que ocorreu uma onda de ataques nas escolas, mas caiu no esquecimento no ano seguinte. No entanto, há diversas pesquisas que apontam para o aumento dos índices de depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos entre os adolescentes.
Desvio de foco?
As prioridades do poder público parecem não estar alinhadas com os anseios da população. Na sessão da câmara dos vereadores de Valinhos do dia 18/02/2024, foi apresentada a moção nº 01/2025 de autoria do Vereador Fábio Damasceno, com objetivo de apoiar a implementação das escolas cívico militares nas escolas estaduais da cidade. A moção foi aprovada com voto contrário de apenas 2 vereadores da casa.
O projeto de lei estadual nº 1398/2024 que prevê a militarização das escolas foi suspenso pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em agosto de 2024, após as considerações do Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União quanto a sua inconstitucionalidade. Mesmo sem a possibilidade de implementação, os vereadores manifestaram seu apoio alegando preocupação quanto à “doutrinação” feita pelos professores em sala de aula. Houve protesto na sessão por parte de munícipes, alunos e professores da rede pública.
As pautas morais parecem ter o efeito de desviar o foco dos reais problemas. A falsa preocupação com a suposta “doutrinação” (seja lá o que isso quer dizer) tem a função de criar pânico na população em relação a algo que não existe, assim fazendo que não sejam debatidos os problemas que de fato afetam a vida dos alunos, pais e professores. Problemas históricos como a precariedade do ambiente escolar, da falta de manutenção, dos salários baixos pagos aos professores e da segurança no entorno das escolas seguem sem solução. E novos problemas surgem, com as ondas de calor, como manter a concentração em um ambiente com sensação térmica acima dos 40º?
É óbvio, lugar de crianças e adolescentes é na escola, mas o início da vida profissional é contemplado pela legislação e indicado como fase importante na constituição da vida adulta, promove o senso de responsabilidade, a prática da administração do seu próprio dinheiro além de auxiliar na decisão quanto a área de atuação desejará seguir futuramente. O fechamento das salas do ensino noturno e do EJA é mais um passo no projeto para afastar os jovens das escolas, mantendo-os sem o desenvolvimento do senso crítico, e com formação básica, apenas o suficiente para ocuparem os cargos mais baixos da pirâmide salarial, muitas vezes tendo que optar pelo trabalho em detrimento do estudo.
Ou pior, caindo nas tentações do universo infracional, onde sempre se há vagas disponíveis e não há exigência de escolaridade.

