A juíza da 1ª Vara do Foro de Valinhos, Bianca Vasconcelos Coatti, pronunciou sentença nesta segunda-feira, 12, pela reintegração de posse da Fazenda Eldorado, ocupada pelo MST desde 14 de abril de 2018.
Na sentença, a juíza determina que os integrantes do MST devem desocupar voluntariamente a propriedade da Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários Ltda., no prazo de 15 dias.
Função social da propriedade
A decisão da justiça considera que os proprietários provaram que aquela área rural desempenha o princípio da função social da propriedade, ao juntarem documentos de locação do imóvel, em que o locatário declara que continha no local 150 cabeças de gado para corte.
A defesa, por seu turno, apresentou depoimento de testemunhas que alegam jamais terem visto qualquer cabeça de gado na Fazenda Eldorado.
Movimento deve recorrer ao Tribunal de Justiça
Consultados pelo Pé de Figo, representantes do jurídico do movimento afirmaram que as medidas cabíveis serão tomadas, o que sinaliza que deverá ser impetrado recurso junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo contra a decisão de primeira instância e que o MST emitirá nota pública a respeito da decisão da justiça.
Veja a íntegra da sentença proferida pela juíza Bianca Vasconcelos Coatti da 1ª Vara do Foro de Valinhos:
Vistos, Trata-se de Ação de Reintegração de Posse, com pedido de liminar, proposta por Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários Ltda. em face de Ricardo Lima e Outros Invasores do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, alegando, em síntese, que detém a posse indireta, em decorrência da propriedade do imóvel descrito nas matrículas nº 19555 e 19556, do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Campinas e localizado na Estrada do Jequitibá, km 07, s/nº, Fazenda Eldorado, no Município de Valinhos, Estado de São Paulo, o qual foi locado para o possuidor direto José Pereira dos Santos, para desenvolvimento de atividade pecuária para pastagem de gado de corte.
Ocorre que, na madrugada do dia 14 de abril de 2018, o local foi ocupado de forma ilegítima por cerca de 400 participantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que lá instalaram acampamento denominado “Marielle Vive”, caracterizando-se o esbulho. Assim, requereu a reintegração liminar na posse do imóvel. A inicial veio acompanhada dos documentos de páginas 11/78.
O Ministério Público opinou pela concessão da liminar (páginas 92/93). Nas páginas 95/98 o pedido liminar foi deferido, diante da prova documental da posse, do esbulho e sua data, determinando-se a expedição de mandado de reintegração de posse. Todavia, a decisão foi suspensa em sede de agravo de instrumento (páginas 262/263).
A Defensoria Pública do Estado requereu seu ingresso no feito (páginas 166/176), o que foi deferido (páginas 177). O representante Ricardo Lima ingressou espontaneamente no feito (páginas 104/107) e os demais litisconsortes passivos foram pessoalmente citados, conforme certidão de páginas 284/285.
Nas páginas 140/143 o réu apresentou manifestação, requerendo a atuação do Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse – GAORP, que foi indeferida, uma vez que a invasão ora tratada não preenchia os requisitos do artigo 3º da Portaria nº 9.602/2018. Intimada, a parte ré apresentou contestação (páginas 291/302), alegando, em síntese, ausência de provas em relação à posse legítima da autora, bem como o não cumprimento da função social da propriedade, que justificaria a implantação da reforma agrária. Apresentou documentos (páginas 303/321).
A autora se manifestou sobre a contestação (páginas 325/334), bem assim juntou documentos (páginas 335/409 e 414/450). Nas páginas 491/493 e 500 o feito foi saneado e a audiência de instrução e julgamento designada. Na audiência, que contou com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (página 549). O Município de Valinhos peticionou espontaneamente no feito (páginas 580/620).
Após o retorno da precatória expedida para oitiva de uma das testemunhas arroladas pela parte ré, as partes foram intimadas para apresentação de alegações finais, conforme determinado em audiência (páginas 549 e 635).
A Defensoria Pública apresentou alegações finais nas páginas 640/655, sustentando, em síntese, nulidade na citação, falta de precisão na indicação da área que compõe o objeto da ação, ausência de comprovação da posse da autora e atenção à função social da propriedade.
A parte autora ofertou memoriais nas páginas 658/663, afirmando que houve a plena demonstração do esbulho, assim como da posse e de seu exercício.
O Ministério Público apresentou parecer nas páginas 667/670, requerendo a procedência da ação, ante a demonstração do esbulho, da posse, e falta de provas quanto à produtividade dos ocupantes, que, aliás, utilizam o imóvel de forma prejudicial (páginas 667/670).
Apesar de intimados, os requeridos deixaram de apresentar memoriais, conforme certidão de página 664 e, após o decurso do prazo, apresentaram petição, sustentando que este deveria ter sido contado de forma sucessiva e requerendo sua devolução (páginas 673/674).
É o relatório. Fundamento e decido. Páginas 580/620:
Defiro o ingresso do Município no feito, como terceiro interessado. Observo, no entanto, que, embora não se desconheça que a ocupação objeto da presente demanda traz consequências ambientais e sociais, é certo que a situação colocada à apreciação judicial é eminentemente patrimonial, porquanto relatada em sede de ação possessória, ajuizada por particular, que sustenta ter sofrido esbulho. Além disso, é certo que o Município, que tem o dever de proteger o meio ambiente (artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal) e de zelar pelo bem-estar, pela saúde e segurança de seus munícipes pode adotar as medidas administrativas e judiciais que entender pertinentes para o cumprimento de tal munus, independentemente do resultado da presente demanda. Indefiro o pedido de devolução do prazo para oferta de alegações finais pelos requeridos, uma vez que, na audiência de instrução e julgamento, constou que, após o retorno da carta precatória, as partes deveriam ser intimadas para se manifestarem em alegações finais (página 556), bem assim o ato ordinatório de página 635 não fez qualquer menção à prazo sucessivo, mas apenas intimou as partes para apresentaram alegações finais no prazo legal, ou seja, 15 (quinze) dias, conforme termo de audiência. Ora, a menção ao prazo sucessivo, contida no artigo 364, §2º, do Código de Processo Civil se justifica, apenas, para processos físicos, em que é necessária a carga dos autos. No entanto, tratando-se de processo digital, não há razão para concessão de prazo sucessivo. Com efeito, o atual Diploma Processual Civil considerou tal particularidade, ao dispor que o prazo em dobro concedido em casos de litisconsórcio com procuradores diferentes não se aplica aos processos em autos eletrônicos (artigo 223, §2º, do Código de Processo Civil).
Outrossim, é cediço que cabe às partes, no decorrer do processo, observar, estritamente, as determinações judiciais, das quais podem embargar, caso vislumbrem contradição, omissão ou obscuridade ou agravar, na hipótese de não concordarem com o seu conteúdo. Todavia, apesar de presente na audiência e intimada para oferta de alegações finais a parte ré permaneceu inerte, não se insurgindo no momento adequado e manifestando-se somente após perder o prazo, atitude que não pode ser prestigiada, uma vez que incompatível com a cooperação dos sujeitos para o andamento processual, determinada pelo Código de Processo Civil.
Observo, ainda, que a alegação de nulidade de citação foi devidamente afastada na decisão de páginas 540/543, que, aliás, foi confirmada pela decisão monocrática copiada nas páginas 571/573.
No mérito, pretende a autora, em síntese, a reintegração na posse do imóvel descrito na inicial, ante o esbulho sofrido em razão da invasão da área pela parte ré. O artigo 560, caput, do Código de Processo Civil dispõe que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho”. Ademais, o artigo 561, incisos I a IV, do mencionado diploma legal atribui ao autor da ação o dever de comprovar a posse; o esbulho; a data do esbulho e a perda da posse.
A analise dos elementos coligidos ao processo revela que a autora logrou comprovar a posse do imóvel, na modalidade indireta, decorrente da propriedade. Isso porque as certidões de matrícula de páginas 30/33 e 125/128 indicam que a autora é proprietária de “um terreno com a área de 1,21ha., no Bairro Eldorado, ou seja na medida antiga meio alqueire (…) à margem da Estrada de Rodagem Municipal que vai até Itatiba, divisando seu todo com a referida estrada municipal, que vai à Itatiba, com a Fazenda Bela Aliança de propriedade de Álvaro Eston e com a Fazenda Eldorado, por valor, até chegar ao córrego”, bem como de “uma pequena Fazenda, própria para cultura, denominada Eldorado, contendo uma área de cinquenta e três (53) alqueires de terras mais ou menos (…), confrontando em sua integridade com as Fazendas Bela Aliança, São Bento do Bom Jardim, das Pedras e Fulano Borin, sendo que, do lado que confina com a Fazenda Bela Aliança e do ponto em que a plantação de eucaliptos desta Fazenda, faz um ângulo, a divisa do imóvel ora descrito acompanha uma estrada ou caminho e por esta vai até encontrar a cerca divisória com a Fazenda São Bento do Bom Jardim”. Há, ainda, recibo de entrega de declaração de ITR do exercício de 2017 preenchida pela requerente, relativamente ao imóvel em questão (página 78). Note-se que o artigo 1.196 do Código Civil define como possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”.
Assim, tem-se que, embora a posse não se confunda com a propriedade, é protegida como uma manifestação da segunda. Por esta razão, a doutrina entende que, não obstante a impossibilidade de discussão acerca da propriedade em ação possessória, “a análise eventual da titularidade da propriedade na ação possessória pode ser feita para formar a convicção do juiz, no sentido de fornecer-lhe elementos para dar ou não a proteção possessória ao autor ou ao réu (ação dúplice)” (Nelson Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, Ed. Revista dos Tribunais, 14ª Ed., 2014, p. 1451/1452). Ainda que assim não fosse, é certo que, no caso, a autora comprovou o exercício indireto da posse, mediante contrato de locação, que tem por objeto o “pasto da Fazenda Eldorado, localizada no município de Valinhos, Estado de São Paulo, com 53 alqueires” , firmado com José Pereira dos Santos, o qual está inscrito no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica sob o nº 08.006.056/0001-65 e tem como atividade econômica principal a “criação de bovinos para corte” (páginas 34/36 e 37).
Embora o contrato tenha sido celebrado em 20 de agosto de 2009, com vigência de 24 meses, o locatário, ouvido em juízo, afirmou a manutenção da relação locatícia até a data da invasão, quando os invasores chegaram de ônibus e arrombaram a porteira, pois a fazenda é toda cercada. Narrou, ainda, que pagava R$ 2.000,00 mensais e tinha a obrigação de manter a área, bem assim que criava no local aproximadamente 150 cabeças de gado.
Além disso, acompanham a inicial notas fiscais que comprovam a aquisição de bovinos pelo locatário, entre 23/10/2017 e 27/03/2018 (páginas 38/63). No mais, a testemunha Paulo de Souza Oliveira afirmou que foi caseiro da Fazenda no ano de 2003, época em que já se exercia atividade pecuária no local, que era visitado periodicamente pelos proprietários. Ressaltou, ainda, que a ocupação se deu no local onde havia a criação de gado.
Não bastasse, a testemunha Luciano Pereira, filho do arrendatário, relatou que é médico veterinário e cuidava dos animais da propriedade, evidenciando, assim, o efetivo exercício da atividade pecuária no local. Pondero, no entanto, que a simples vigência do contrato de locação, atestada pelo depoimento prestado pelo locatário, é suficiente para comprovação do exercício da posse, sendo que a aferição do efetivo uso do imóvel por parte do locador não é pertinente ao deslinde da causa, pois somente importa para fins de apuração do cumprimento, ou não, da função social da propriedade.
Ora, é certo que a verificação da produtividade de determinada área de terras destina-se à desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, procedimento que compete à União e que possui procedimento próprio (Lei nº 8.629/93), não podendo ser alcançado por meio da autotutela, conforme pretendem os requeridos. Frise-se, ainda, que a ocupação irregular obsta eventual processo administrativo de desapropriação, já que, de acordo com o artigo 2º, §6º, da Lei nº 8.629/1993, “o imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência..”.
Por tal razão, torna-se irrelevante, também, o depoimento da testemunha arrolada pelos réus, Antonio Isao Yamamoto, que afirmou que passava na frente da fazenda para ir para a faculdade e que não vislumbrava qualquer atividade no local. Da mesma forma, apesar de afirmar que conhece a região há tempos e que nunca viu movimentação de bovinos no local, a testemunha Izalene Tiene relatou que avistava, apenas, a parte próxima à pista. Observo, ainda, que é evidente o interesse da testemunha Izalene no deslinde da causa, uma vez que esta declarou, em juízo, que apoiou a iniciativa e que acredita que os ocupantes da Fazenda Eldorado passam fome e possuem direito à moradia.
No mais, o esbulho e sua data foram comprovados pelo boletim de ocorrência de páginas 64/65, pelas fotografias de páginas 68/76, pela notícia de jornal de página 77 e pela certidão do oficial de justiça acostada nas páginas 284/285. Além disso, os próprios requeridos admitiram que: “com o intuito de denunciar a paralisação da política agrária do Estado, na manhã do dia 14/04, um grupo de aproximadamente 500 famílias (adultos, idosos e crianças), ocuparam o imóvel objeto da presente possessória” (página 104). Frise-se que, conforme consignado na decisão de páginas 491/493, que não foi objeto de recurso, a delimitação da área invadida é desnecessária para a caracterização do esbulho, porquanto incontroverso que os réus ocupam área de propriedade da requerente, sendo irrelevante aferir se a ocupação compreende, ou não, a totalidade do imóvel.
Outrossim, diante do esbulho praticado é evidente a perda da posse da requerente, que, impedida de adentrar no imóvel e dele dispor já não pode mais exercer os poderes inerentes à propriedade. Destarte, preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 561, incisos I a IV, do Código de Processo Civil, de rigor a procedência da ação. Observo, por fim, que encontram-se preenchidos, também, os requisitos exigidos para a concessão da tutela de urgência, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano (artigo 300 do Código de Processo Civil).
Com efeito, conforme visto acima, a vigência do contrato de locação, que, dentre outros elementos, demonstra o exercício da posse pela requerente, na modalidade indireta, foi devidamente comprovada pelos depoimentos colhidos ao longo da instrução processual. Observo que a revogação da tutela, pelo v. Acórdão, foi fundamentada na ausência de prova da posse e do consequente esbulho, motivo pelo qual, inclusive conforme terceiro parágrafo de página 517, pode revigorar após a dilação probatória. Note-se que o esbulho e sua data são fatos notórios e incontroversos, assim como a perda da posse.
No mais, evidente o perigo de dano, uma vez que a demora na prestação jurisdicional vem gerando prejuízos à autora, ao meio ambiente, aos próprios invasores, que não dispõem, sequer, de saneamento básico, e à coletividade. Portanto, ante a presença dos requisitos legais e com fundamento no poder geral de cautela, defiro a tutela de urgência, para determinar a desocupação voluntária do bem no prazo de 15 dias úteis, sob pena de reintegração forçada, devendo a parte autora, oportunamente, requerer as medidas pertinentes.
As demais matérias eventualmente arguidas não foram apreciadas, por não possuírem o condão de influenciar no resultado da sentença.
Pelo exposto, com fundamento no artigo 487, I do Código de Processo Civil de 2015, julgo procedente a ação para:
a) reintegrar a autora, Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários Ltda., na pose do imóvel descrito nas matrículas nºs 19555 e 19556, do 1º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas;
b) conceder a tutela de urgência e determinar que a parte ré desocupe voluntariamente o imóvel no prazo de 15 dias úteis, contados da intimação da presente sentença, por meio das patronas regularmente constituídas, via DJE, sob pena de reintegração forçada.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, observados os benefícios da justiça gratuita.
Após o trânsito em julgado e a satisfação das formalidades legais, arquive-se, anotando-se. P.I.
Chega a ser engraçado isso. Os caras vão lá e invadem a propriedade dos outros e depois ainda recorrem à justiça contra a retirada. E isso aí é o que esperava os brasileiros com a continuação desses bandidos ladrões da esquerda no poder: viajar ou ir à rua e na volta encontrar um bandido desses ocupando a sua casa.