As crônicas serão dividas em duas partes, uma primeira sobre os fatos mais recentes, relacionados ao processo de negociação aberto com a prefeitura, a proposta, a contraposta até o ataque desferido contra a cooperativa.

A segunda parte vai contar um processo mais lento e mais perverso de enfraquecimento social e econômico da Cooperativa Recoopera, que já vem durando anos, em que a Prefeitura não realiza educação ambiental na cidade , nem mantém uma má qualidade dos materiais que chegam, por volta de 30 a 40% de rejeitos (resíduos sólidos junto com material orgânico), o que faz com que grande parte do trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras sejam perdidos, num processo de inviabilizar economicamente a cooperativa.

Ação da Prefeitura não teve nenhum mandado judicial

A Cooperativa Recoopera sofreu no dia 25 de maio de 2018 uma ação desproporcional e sem amparo legal por parte da Prefeitura de Valinhos. Com uso de tratores e caminhões, funcionários da própria Prefeitura, da Corpus e reeducandos tiraram de maneira arbitrária os bens da Cooperativa Recoopera (materiais reciclados já triados, móveis, equipamentos de cozinha, documentos pessoais e da cooperativa e materiais de trabalho), como também cestas básicas doadas por uma ação voluntária de cidadãos de Valinhos. Importante destacar que a ação da Prefeitura foi realizada sem nenhum mandado judicial.

O que aconteceu recentemente até chegar nesta ação arbitrária?

A Prefeitura de Valinhos, visando dar um ataque de misericórdia na  Recoopera, fez uma publicação no Diário Oficial um Edital de Notificação nº13/2018 de 22 de março de 2018, que dizia: “Justificando-se a revogação em questão diante do fato de que a representante legal da referida Cooperativa de Trabalho encontra-se em lugar incerto e não sabido, o que impede a administração do imóvel permitido a uso, diretamente pela mesma”, assinada por Gustavo de Freitas Sirianni, Diretor do Departamento de Limpeza Pública, e por Gérson Luis Segato, Secretário de Obras e Serviços Públicos. Importante salientar que ambos que assinaram esta nota não são técnicos da secretaria, mas sim pessoas de cargos políticos indicados diretamente pelo Prefeito Orestes Previtale. Veja a publicação AQUI.

A Prefeitura de Valinhos para tentar revogar a permissão de uso da Cooperativa, inventou um procedimento “técnico”, na qual a presidente da Cooperativa Jane estava em lugar incerto e não sabido. Todo mundo que mora em Valinhos, que conhece a cooperativa, sabe que Jane não estava em “lugar incerto e não sabido”, e inclusive posteriormente, ela esteve presente pessoalmente em todas as reuniões negociando com a própria prefeitura.

Importante destacar que a Prefeitura publicou este edital de notificação acompanhado com o corte de envio dos materiais, quer dizer, impedindo que a cooperativa pudesse continuar gerando trabalho e renda para as famílias. Por causa dessa arbitrariedade de corte no envio de materiais, a cooperativa começou a não honrar compromissos e a situação ficou insustentável econômica e administrativamente. Foram duas ações combinadas que buscavam criar a “justificativa” perfeita para acabar com 15 anos de história: “ah, eles não estão mais trabalhando”, “ah, mas tem cooperados reclamando de falta de pagamento”, “ah, mas a cooperativa tem dívidas”.

Então, vamos aos fatos: A cooperativa estava ilegal no imóvel? Ela estava ali sem nenhum amparo legal? Esta retirada da prefeitura foi feita com o procedimento correto, como manda o contrato assinado?

A cooperativa esta instalada oficialmente nesse barracão desde o incêndio que ocorreu no outro barracão, e a publicação do decreto n° 8.492, de 20 de setembro de 2013, afirmava: “Art. 1º. É permitido o uso de parte (pavimento térreo, refeitório e três caçambas) do lote 04, da subdivisão de Alcides Capelatto e outros, bairro Santa Escolástica, imóvel de posse da Municipalidade de Valinhos, localizado na rua Vitório Capelatto, nº 87, Valinhos, objeto da matrícula n° 32.594 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, na forma do Original nº 287/2013-DAPS/SPMA/PMV, integrante deste Decreto, à pessoa jurídica Cooperativa de Trabalho dos Profissionais em Coleta, Processamento e Comercialização de Materiais Recicláveis e Reutilizáveis – Recoopera, inscrita no CNPJ sob nº 05.603.203/0001-96, para o desenvolvimento de suas atividades”.

A própria Prefeitura Municipal de Valinhos divulgou oficialmente essa ação do poder público. Leia AQUI e AQUI. Na segunda matéria, inclusive, mostrou o potencial que uma coleta seletiva e o apoio às cooperativas de catadores podem gerar para o meio ambiente e para a inclusão produtiva.

Prefeitura não respeita um Termo assinado por ela mesma

Inclusive, essa permissão de uso, realizada pelo Poder Público Municipal, veio acompanhada de um Termo, que detalhava essa questão. O que dizia esse Termo, caso a Prefeitura decidisse tirar a permissão de uso: “a Prefeitura reserva-se o direito de rescindir esse termo, a seu exclusivo critério e a qualquer tempo ou concordar com a cessão de área equivalente adequada à utilização para finalidades de seu interesse, sempre com antecedência de noventa (90) dias”.

Quer dizer, se a própria Prefeitura cumprisse o Termo assinado e publicado em Diário Oficial, a cooperativa teria 90 dias, e mais, a prefeitura iria buscar uma área equivalente, diante da importância e interesse público do trabalho realizado para a cidade de Valinhos, tanto com relação ao meio ambiente, como na inclusão produtiva. Mas nada disso ocorreu. Não esperaram os 90 dias, que venceria em 22 de junho, a contar desde o edital em que revogam a permissão, e nem buscaram um novo local para a cooperativa continuar tirando toneladas e mais toneladas de resíduos sólidos do meio ambiente.

No dia 24 de abril, a Cooperativa Recoopera realizou um ato em frente à Prefeitura, cobrando a continuidade de seu trabalho para a cidade. Acompanhada de representantes do Movimento Nacional de Catadores e dos Conselhos Estaduais e Nacional de Direitos Humanos. Naquele momento, foi recebida pelo chefe de gabinete do Prefeito Orestes Previtale (PSB), Tosto, que se prontificou de marcar uma reunião para discutir o problema.

Realmente, o chefe de gabinete cumpriu sua palavra, e no dia 04 de maio a Recoopera sentou com o poder público para discutir propostas. Leia AQUI matéria sobre a reunião.

O poder público estava muito bem representado nesta reunião através da Vice-Prefeita Laís Helena (PSB), do Chefe de Gabinete do Prefeito, Carlos Roberto Tosto, e dos Secretários Rodrigo Fagnani Popó e José Luiz Garavello Junior, de Desenvolvimento Econômico e de Assuntos Jurídicos e Institucionais, respectivamente, além do Diretor Gustavo de Freitas Sirianni (o mesmo que disse que Jane estava em “lugar incerto”).

Nesta reunião a Prefeitura apresentou uma proposta, que era a contratação de 20 cooperados pela Corpus, benefícios e capacitações via SEBRAE, bem como apoios da assistência social.

No entanto, na mesma reunião, a Cooperativa Recoopera, juntamente com o MNCR e a Central de Cooperativas Unisol Brasil, apresentou uma contraproposta “que consiste na contratação da cooperativa por parte da Prefeitura, na forma como prevê a legislação sobre resíduos sólidos atualmente vigente, com a contrapartida de um compromisso de ampliação dos postos de trabalho da cooperativa para 40 pessoas. Para isto, seria utilizado o mesmo recurso que seria destinado à contratação dos cooperados pela Corpus”. Leia AQUI.

Naquele momento, apontei: “Nós queremos que este recurso seja usado para contratar a cooperativa, como prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos e de Saneamento Básico”.

Mas aí a negociação acabou, e a reunião que estava marcada para o dia 11 de maio (sexta-feira) foi desmarcada na véspera, sem agendamento de nova data. Então percebemos que não era uma negociação. Ou aceitávamos a proposta (na verdade imposição) da prefeitura, ou era trator, caminhão e ataque aos bens da cooperativa, o que acabou ocorrendo no dia 25 de maio de 2018.

Logo depois do Ato do dia 24 de abril, fizemos uma nota assinada por mim, Jane Azevedo – Presidente da Cooperativa Recoopera, Maria Mônica da Silva – Articulação Estadual do Movimento Nacional dos Catadores e Diretora de Resíduo da Unisol São Paulo e Roberto Laureano Rocha – Comissão Nacional do Movimento Nacional dos Catadores e Presidente da ANCAT – Associação Nacional dos Carroceiros e Catadores de Material Reciclável, que já afirmava: “Não é possível que a cidade de Valinhos volte no tempo e feche sua única Cooperativa de Reciclagem”. Leia AQUI

O processo dialógico com a cidade contou com fala na Câmara de Vereadores por parte da Presidente da Cooperativa, Jane Azevedo, e também nessa semana os vereadores receberam uma Carta da OAB, destacando o trabalho da Cooperativa Recoopera e o descumprimento de legislações pertinentes ao tema. Leia AQUI.

Agora a arbitrariedade da medida tomada dia 25 de maio está latente.

A prefeitura está amparada legalmente diante das legislações de resíduos sólidos e de saneamento básico?

Definitivamente, não. O Artigo 7º da Lei 12.305/2010, em seu inciso XII, coloca a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Assim, considerando-se o ciclo de vida dos produtos e a ordem de prioridade na gestão, os catadores de materiais reutilizáveis ou recicláveis são figuras importantes, ficando excluídos apenas das etapas de não geração e redução condizentes às responsabilidades dos fabricantes dos produtos. No Artigo 8º, traz como um dos instrumentos da PNRS o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis ou recicláveis.

A PNRS afirma claramente a PRIORIDADE nos municípios que implantarem a coleta seletiva, a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda, além de programas para participação dos mesmos no processo de implementação da PNRS.

Isso, sem falar na Lei 11.445 de 2007, em seu artigo 57, que realiza uma modificação da lei 8.666/1993 referente a contratações públicas, que autoriza o poder público a dispensar de processos licitatórios as associações ou cooperativas formadas por pessoas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de material reciclável. Quer dizer, se a Prefeitura de Valinhos quisesse, ela poderia inclusive dispensar de processos licitatórios para contratar oficialmente a Cooperativa Recoopera para paga-la pelos serviços ambientais prestados para a cidade, como prevê a lei.

Alguém poderia falar, “a Prefeitura de Valinhos, não tinha conhecimento dessa legislação, ou não tinham ainda se adequado a mesma”. Também não é verdade. Valinhos tem sim, não só conhecimento, como tem um plano municipal de resíduos sólidos e de saneamento básico. Inclusive, o mesmo reconhece e cita o trabalho realizado pela Cooperativa Recoopera.

Leonardo Pinho – Presidente da Central de Cooperativas Unisol Brasil, Conselho Nacional de Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Economia Solidária

O Plano Municipal de Saneamento Básico e PMGIRS e Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos – 2016 – 2035 – VOLUME I – Valinhos, 2016 – Contratante: Fundação Agência das Bacias PCJ – Contratado: B&B Engenharia Ltda, na qual em sua apresentação afirma: “O presente documento  constitui-se  na Versão  Final  do  Plano  Municipal  de  Saneamento  Básico  e  do  Plano Municipal  de  Gestão  Integrada  de  Resíduos  Sólidos  (VOLUME  I)  do  Município  de  Valinhos,  apresentando  os trabalhos de consultoria desenvolvidos no âmbito do Contrato nº 25/2013, assinado entre a Fundação Agência das Bacias PCJ e a B&B Engenharia Ltda., que tem por objeto a “Elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico conforme  a  Lei  Federal  nº  11.445/20 07,  contendo  determinações  sobre  os  Sistemas  de  Abastecimento  de  Água Potável,  Esgotamento  Sanitário,  Limpeza  Urbana  e  Manejo  de  Resíduos  Sólidos  e  Drenagem  Urbana  e  Manejo  de Águas  Pluviais,  bem  como  o  desenvolvimento  do  Plano  Municipal  de  Gestão  Integrada  de  Resíduos  Sólidos,  em conformidade com a Lei Federal nº 12.305/2010”. Leia AQUI.

O que podemos ver nessa primeira parte da Crônica é que a Prefeitura Municipal de Valinhos, com sua ação arbitrária de ataque à cooperativa, não cumpriu a legislação de resíduos sólidos e nem a de saneamento básico nacional, nem o que consta no plano municipal, e para piorar, não cumpriu com o que esta previsto no Termo de Permissão de Uso com a Cooperativa Recoopera. Mas, em breve, teremos a segunda parte da Crônica mostrando que esse ataque só foi a ponta do iceberg, pois a ação contra a cooperativa, vem sendo realizada há bastante tempo.

Leonardo Pinho – Presidente da Central de Cooperativas Unisol Brasil, Conselho Nacional de Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Economia Solidária

2 Comentários

  1. Sabendo-se que toda e qualquer mobilização está atribuída a uma pequena parcela da população envolvida diretamente. O nosso problema é a comunicação, a manutenção (legado) acervo produtivo, qualificação, assistência, o antes e o depois da inclusão social.

    As pessoas do a favor e as representações do contra.

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