
De máscaras serão as recordações deste 2020, assim como foram elas os adereços que marcaram outras épocas da epopeia humana. Revejam-se as páginas da história da gripe espanhola, da Ku Klux Klan e do acidente nuclear de Chernobil.
Podemos buscar na literatura brasileira outro exemplo: Machado de Assis, em seu conto Pai Contra Mãe, descreve o figurino da máscara de folha-de-flandres:
“A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado.”
“Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.” (Machado de Assis)
Na atualidade, em meio à pandemia do coronavírus, com máscaras, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o racismo, depois que um policial norte americano matou um homem negro, sufocando-o com o joelho sobre o seu pescoço, indiferente à súplica: eu não consigo respirar!
Apesar dos rompantes negacionistas, que insistem em relativizar a gravidade da pandemia, a máscara, com seus mais diversos modelos e cores, nas passarelas das ruas e avenidas pelo mundo afora, tornou-se obrigatória no combate à propagação do vírus.
O ornamento, no entanto, por paradoxal que pareça, não evita que seja desmascarada uma realidade cruel: a doença não atinge a todos igualmente. Inúmeros indicadores revelam que as populações pobres e negras são as mais afetadas.
Mas não cuidemos de máscaras, pobreza, escravidão e racismo…


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