Num momento em que a discussão da volta às aulas acontece em meio ao agravamento da pandemia, professores de ciências da rede municipal de ensino de Valinhos divulgam um importante estudo sobre a evolução da doença.
Confira:
Manifesto
Valinhos, 24 de fevereiro de 2021.
Um jovem em viagem, passa por Israel, Itália e volta ao Brasil. Na mesma época, um casal de idosos recebe um parente de São Paulo que também acabara de retornar do velho continente. Uma triste coincidência juntou essas duas histórias há exatamente um ano e colocou a Secretaria de Saúde de Valinhos em alerta: a cidade registrava os primeiros casos suspeitos de covid-19, a doença causada pelo Sars-Cov-2, popularmente conhecido como coronavírus. A pandemia se desenhava discretamente, tendo vitimado fatalmente, até então, 2 mil dos 80 mil casos registrados pelo mundo ¹. Um ano depois, os números são superlativos: o de casos confirmados passa dos 107 milhões e os mortos já beiram os 2,5 milhões ². O Brasil passa dos dez milhões de infectados e se aproxima do trágico número de 250 mil mortes ³.
Não demoraram a surgir as primeiras propostas de enfrentamento da pandemia e a comunidade científica ganhou destaque em noticiários e debates ao redor do mundo. Tal movimento, no entanto, foi acompanhado pelos discursos de negação à ciência, de modo que a propagação de notícias falsas a respeito da pandemia tornou-se um dos maiores desafios a serem enfrentados, ao lado do próprio vírus, por desencorajar medidas sanitárias, de distanciamento social e de imunização ao passo que eram promovidos tratamentos milagrosos que, ao fim e ao cabo, demonstravam-se ineficazes e potencialmente danosos 4 . A motivação por trás desses discursos é transparente: sob o slogan “o Brasil não pode parar”, peças publicitárias foram veiculadas na intenção de convocar a população ao retorno das atividades produtivas 5 , até serem barradas por decisão judicial 6 . É crescente, no entanto, a percepção de que a abertura dos mais diversos setores por razões econômicas – a busca da controversa “imunidade de rebanho”, é incapaz de gerar os efeitos desejados dado o grave comprometimento da economia global. Os danos econômicos e sociais advindos de aberturas açodadas e o consequente colapso dos sistemas de saúde seriam, potencialmente, ainda maiores 7 .
Toda informação sobre a pandemia vem cercada de incertezas, o que deixa a população muito insegura. No início de seu curso, foi propagada a ideia de que ela seria inofensiva para os jovens ou pessoas que não contassem com problemas prévios de saúde, o que vem se mostrando um argumento muito frágil diante da constatação de mortes de crianças e adolescentes, bem como da cientificamente comprovada relação entre os casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (PIMS) e o Sars-Cov-2. A infecção, independentemente do desenvolvimento da síndrome, pode comprometer enormemente a saúde das crianças e adolescentes 18 .
Mais do que nunca, faz-se necessário ouvir os profissionais da educação sobre as questões relacionadas aos riscos de uma reabertura, construir o diálogo com as pessoas que mais conhecem a realidade das escolas, tanto estruturais quanto no seu principal motivo de ser: nossas crianças, adolescentes, trabalhadores e comunidade em geral. O cenário exige que estejamos atentos às lições deixadas pela própria crise sanitária, dentre as quais destaca-se o caso de Manaus, uma tragédia humanitária que poderia ter sido evitada não fosse a negligência com que foi tratada.
O estado do Amazonas foi o primeiro a avançar nas fases da pandemia visando o retorno das atividades econômicas, com a reabertura de espaços públicos, parques e atrações turísticas até o meio do ano passado. Em julho, bares com apresentações ao vivo, creches, escolas e universidades da rede privada puderam reabrir e, em agosto, voltaram as aulas do ensino fundamental e médio. Cenas de aglomerações em colégios da capital amazonense foram amplamente divulgadas e o mês seguinte ficou marcado por surtos de covid-19, bem como pela paralisação dos professores no início de setembro 8 . Dados da plataforma Monitora Covid-19, da FioCruz, em janeiro deste ano apontam que o Amazonas passou a ser o estado com a maior taxa de mortes pela covid19 no Brasil 9 , mas outros estados parecem se esforçar para merecer o título nessa corrida mórbida.
Uma segunda onda, inicialmente negada pelos órgãos responsáveis, varreu o estado e estudos recentes apontam para uma nova variante, a P1, como a principal responsável 10. Elevadas taxas de transmissão, bem como a infecção concomitante entre mais de um tipo de vírus, favorecem o surgimento de novos mutantes, e a reabertura está intimamente relacionada a esses fatores que podem isolar ainda mais o país 11 . Essa variante já circula em São Paulo 12 e alcança o interior do estado em um momento gravíssimo, em que políticos locais apontam para uma abertura por pressão econômica tanto de parte do público que nega a existência e a importância sanitária da pandemia, quanto por parte daqueles que se encontram desamparados por programas de auxílio, seja no nível federal, estadual ou municipal. Valinhos segue há semanas com lotação de 100% dos leitos de UTI 13, bem como outras cidades da região 14, e a volta das aulas presenciais nesse momento já tem significado o aumento de casos confirmados de covid-19 segundo dados da própria secretaria de educação do estado 15. Chama atenção o fato de que, apesar da urgência do acesso aos dados pela população, o acesso ao Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para Covid – 19 (SIMED) é restrito 16, bem como o registro de novos casos suspeitos ou confirmados é de uma burocracia desencorajadora 17 . São Paulo, a despeito de toda informação já reunida sobre a pandemia, reproduz um trajeto muito parecido com o percorrido por Manaus. O resultado, conhecemos.
A história do início deste manifesto se deu há exatamente um ano e, no aniversário da primeira ocorrência da covid-19 em Valinhos, a cidade ainda se encontra em Estado de Calamidade Pública. Será este o momento de reabertura das escolas, de mobilização das famílias, do transporte, das intrincadas redes de pessoas envolvidas com tal medida? Não contamos com testagem em massa, como acompanharemos o crescimento de casos da doença muitas vezes silenciosa? Como saber, sem protocolos de acompanhamento, se a variante P1, mais virulenta que a original cujo impacto resta comprovado, circula pela cidade? Quem será responsável pelas aglomerações nos pontos de ônibus e nos veículos cuja frota foi reduzida, numa evidente sobrevalorização do lucro das empresas em detrimento da vida dos usuários do sistema? Quem será responsável pela expansão do número de casos da doença, do colapso da rede de saúde, do aumento da demanda por leitos de UTI, do aumento do número de mortes que já tem sido observado? Como explicar ao cidadão comum, mães e pais dos nossos alunos, que as escolas foram reabertas sem condições sanitárias de manter seus filhos e filhas em segurança? Quem vai defender que os potenciais casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica são um risco necessário às nossas crianças? Há consenso entre a parcela não negacionista da população da importância da vacinação para que a vida volte ao normal, para que as aulas e demais atividades voltem com a segurança necessária. Mais que nunca, e como biólogos e professores o sabemos, é preciso defender a ciência e a vida.
P.S.: Como em qualquer coletivo, o nosso também conta com diversidade de pensamentos e posicionamentos, cabendo-nos explicitar que dois colegas, cujos nomes poupamos para evitar desnecessária exposição, discordam do teor do presente manifesto. Respeitamos e celebramos essa diversidade em nome de um bem maior, que é a democracia.
Professores de Ciências da Rede Municipal de Valinhos, SP
Fontes:
1 – http://www.valinhos.sp.gov.br/noticias/valinhos-registra-primeiro-caso-suspeito-decoronavirus
2 – https://www.paho.org/pt/covid19
3 – https://covid19.who.int/region/amro/country/br
5 – http://www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/view/55501
6 – https://www.conjur.com.br/dl/liminar-barroso-proibe-campanha-brasil.pdf
7 – https://periodicos.ufes.br/peteconomia/article/view/31747/21185
8 – http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10455/2/NT_21_Dirur_OitoMesesPande mianoBrasil.pdf
12 – https://www.bbc.com/portuguese/geral-55819748
13 – http://www.valinhos.sp.gov.br/noticias-coronavirus/valinhos-todos-juntos-contra-ocoronavirus-1
17 – https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2021/02/escolas-covid-casos-voltaas-aulas-doria/
18 – https://periodicos.fclar.unesp.br/tes/article/view/13759

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