Daniel Bertagnoli Rocha, especial para o Pé de Figo
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aberta pela Câmara Municipal, a fim de investigar supostas irregularidades na realização de concurso público para o preenchimento de oito vagas no Instituto de Previdência Social dos Servidores Municipais de Valinhos (Valiprev), vinculado à Prefeitura, foi aprovado, por unanimidade, na sessão desta última terça-feira, dia 23.
Seguindo o relatório produzido, em dezembro do ano passado, pelo Conselho Fiscal da autarquia e a deliberação de seu Conselho de Administração, ocorrida em abril, os vereadores decidiram pela anulação em definitivo do concurso e pelo envio do documento aprovado ao Ministério Público para que o órgão em questão tome as providências cabíveis.
De acordo com o presidente da Comissão, o vereador Alécio Cau (PDT), “cabe ressaltar que a CPI foi instaurada em março (deste ano) para apurar possíveis suspeitas de favorecimento de dois candidatos que foram aprovados em primeiro lugar para os cargos de Analista de Benefícios Previdenciários e Assessor Jurídico. Conforme documento lido em sessão, a Comissão ratificou o relatório do Conselho Administrativo da autarquia, sem qualquer ressalva, opinando pela manutenção do que foi recomendado pelos conselheiros, ou seja, a anulação definitiva do concurso público. As possíveis punições caberão ao Poder Judiciário, que irá avaliar o material enviado pela Câmara”.
“As possíveis punições caberão ao Poder Judiciário, que irá avaliar o material enviado pela Câmara”.Alécio Cau, presidente da CPI
Alécio lembra ainda que a CPI não tem função punitiva e sim, investigativa, e que em relação aos mais de três mil inscritos prejudicados pela anulação do concurso, cabe ao Valiprev e ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Educacional e Capacitação (Indec), empresa responsável pela aplicação das provas, resolver quaisquer questões referentes à devolução dos pagamentos realizados por aqueles que participaram do certame e também sobre os concorrentes que conseguiram alcançar nota suficiente para ocupar os cargos em aberto e até agora não puderam fazê-lo.
De acordo com a conclusão do relator da Comissão, o vereador César Rocha (REDE), não há existência de prova material de que tenha havido algum tipo de ilegalidade durante o trâmite do concurso, pois isso dependeria de confissão de uma das partes (candidatos ou empresa), o que, segundo Cau, dificilmente ocorreria. Contudo, ele diz que “entendeu a comissão investigatória pela existência de indícios fortes o suficiente para que se procedesse à anulação definitiva do concurso.”

Segundo consta no relatório, “nenhuma das partes ouvidas logrou êxito” em determinar de que maneira a Indec tomou conhecimento do concurso ou foi chamada para apresentar sua proposta. O relator também destaca que, embora a assessoria jurídica tenha apresentado parecer a favor da legalidade da contratação da empresa, faltou fazer o que chamou de “levantamentos simples e básicos”, “como pesquisar junto ao Tribunal de Justiça ações que justamente questionassem sua idoneidade”.
Outro equívoco, de acordo com o relatório, foi a formação de uma comissão organizadora que “não participou do processo de pedido de informações a empresas interessadas, da análise de documentos, nem sequer, na prática, da realização (do concurso) na data das provas”.
Sobre o concurso
Ocorrido em dezembro do ano passado, o concurso contou com a inscrição de 2.896 pessoas, para concorrer a sete cargos (agente administrativo II, analista de benefícios previdenciários, assessor jurídico, assistente social, contador, inspetor previdenciário e procurador).
Logo após a divulgação do resultado, denúncias anônimas começaram a ser realizadas através das redes sociais, divulgando possível favorecimento a familiares de políticos do município.
No início de janeiro deste ano, o então presidente do Valiprev, Wilson Ventura, confirmou que Luciana Caun de Oliveira Andrade e Leandro de Oliveira Andrade, respectivamente, esposa e irmão do ex-vereador Juninho Andrade, se classificaram em primeiro lugar para os cargos de analista de benefícios previdenciários e assessor jurídico. Além disso, as denúncias apontavam que tanto Juninho, quanto Ventura, seriam membros da executiva valinhense do Partido Social Democrático (PSD).
Dado isso, de acordo com o ex-presidente, o Conselho Fiscal sugeriu à diretoria da entidade “suspender todo e qualquer ato em relação aos procedimentos do Concurso Público. É fato que a aprovação de duas pessoas da família do ex-vereador Juninho Andrade foi o motivo da denúncia e todas as providências estão sendo tomadas para a apuração do ocorrido com absoluta transparência”.
Ainda em janeiro, o Prefeito Orestes Previtale (PSB), então integrante do MDB, instituiu o novo Conselho de Administração e o novo Conselho Fiscal do Valiprev, que ficou encarregado das investigações a respeito do concurso.
Abertura da CPI
Na abertura do ano legislativo de 2018 da Câmara, em fevereiro, os vereadores Israel Scupenaro, Dalva Berto, Roberson Salame e Giba, da bancada do MDB, então partido do prefeito Orestes Previtale, apresentaram um requerimento em que assumem uma posição de questionamento sobre os desdobramentos das denúncias de irregularidades no concurso do Valiprev, alegando, inclusive que, por pelo menos dois meses, o Legislativo já recebia denúncias sobre manipulação de resultados e que candidatos aprovados em primeiro lugar eram diretamente ligados ao presidente do instituto.
No final do mesmo mês, Previtale exonerou Wilson Ventura e instituiu Willian Evaristo de Oliveira como novo presidente da autarquia.
Anulação definitiva e “vai e volta” na Presidência
Por fim, o Valiprev decide por anular o concurso em 16 de maio, seguindo a deliberação do Conselho de Administração da entidade, publicada em abril, conforme mencionado anteriormente.
No final de maio, Wilson Ventura, por decisão da Justiça, é reintegrado em seu antigo cargo. No entanto, apenas duas semanas depois, ele é novamente exonerado e Oliveira volta a ocupar a presidência do Valiprev.
A CPI, por sua vez, ouve todos os envolvidos no caso, Wilson Ventura; Pedro Vansolin Filho, presidente do Indec; e mais onze pessoas.

Os depoimentos dos classificados
De acordo com o depoimento de Luciana Caun de Oliveira Andrade, psicóloga e pós-graduada em Psicologia do Trânsito, aos membros da CPI, esta foi a primeira vez que ela prestou um concurso público. Disse ainda não possuir relações de amizade com o ex-presidente do Valiprev ou com sócios e funcionários do Indec e que realizou a prova no período da manhã, enquanto que Leandro (de Oliveira Andrade), seu cunhado, o fez no período da tarde.
Leandro, bacharel em Direito, por sua vez, disse já ter prestado diversos concursos, tendo sido aprovado em dois deles. Porém, segundo ele, foi chamado para somente um, justamente para o cargo que ocupa atualmente, na Prefeitura.
Ele disse, assim como Luciana, não possuir laços de amizade com Ventura ou com sócios e funcionários do Indec e que realizou a prova, como comentado anteriormente por ela, no período vespertino.
A reunião e a escolha
O ex-presidente do Valiprev, Wilson Ventura, em depoimento aos vereadores, disse não manter contato com a família de Luciana e Leandro. Em relação ao Indec, informou que, primeiramente, o presidente da instituição em questão, Pedro Vansolin Filho, entrou em contato com ele por telefone, sendo que, ao final da conversa, agendaram uma reunião, onde trataram da futura realização do concurso e foi pedido a este o envio dos documentos para que a empresa pudesse participar da concorrência pública. Porém, Ventura não soube informar, ao certo, como foi que Vansolin conseguiu a informação a respeito da abertura do certame.
Da reunião participaram Thiago Augusto Capello, então diretor de benefícios do Valiprev e Márcio Roberto Guaiume, à época, vice-presidente do Conselho de Administração da autarquia, que também faziam contatos com outros institutos.
O ex-presidente disse ainda que a partir daí, ambos passaram a fazer os contatos e a pedir os documentos necessários para que o processo fosse montado e se passasse à licitação. Ao cumprir todos os requisitos e apresentado o melhor preço, o Indec foi escolhido para organizar o concurso. Em relação à existência de processos em andamento contra a entidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), Ventura afirmou ter consultado anteriormente o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), onde não constava qualquer tipo de pendência contra a instituição contratada.
No tocante a formação da comissão organizadora do concurso após a escolha da empresa realizadora deste, disse não ver nenhum tipo de irregularidade, uma vez que designou pessoas com experiência na formação do processo de dispensa de licitação, tal como verificado no caso em questão.
Lisura e publicidade
O ex-presidente do Valiprev também informou aos vereadores que logo após o resultado do certame ser conhecido, foi convocado pelo prefeito a fim de tratar do desconforto gerado pela aprovação de Luciana e Leandro e que o caso deveria ser investigado.
Dado isso, o Conselho Fiscal optou pela paralisação do concurso e uma portaria foi publicada a fim de suspender os efeitos deste até então. Disse ainda não concordar com o cancelamento da disputa, uma vez que não houve prova material de favorecimento de ambos os candidatos.
Comentou ainda que todo o processo se deu com lisura e publicidade, não havendo qualquer questionamento durante o processo e que se algo de errado tivesse ocorrido, os candidatos teriam se pronunciado.
Finalizou dizendo que o concurso foi cancelado enquanto se encontrava afastado, baseado no relatório do Conselho de Administração.
O funcionamento do concurso
Em oitiva aos vereadores, o presidente do Indec, Pedro Vansolin Filho, disse que costuma fazer visitas a trabalho pela região e em uma destas, conseguiu a informação de que o Valiprev iria realizar um concurso, porém, não se lembra, exatamente, de como isto ocorreu.
Informou aos membros da CPI que, até este momento, não conhecia Ventura e que o primeiro contato foi realizado pessoalmente e não por telefone. Sobre os certames que organiza, explicou que o instituto desenvolve os conteúdos e os apresenta aos contratantes. Sem alterações, publica-se o edital. As provas, por sua vez, ficam somente a cargo do Indec. Isto também ocorreu em relação ao Valiprev.
Vansolin explicou também que realizadas em dois períodos, a fim de que os candidatos pudessem concorrer a até dois cargos distintos, as provas, com conteúdos diferenciados, foram acomodadas em sacos invioláveis, abertos na frente dos candidatos. Os fiscais identificavam os participantes através da Carteira da Identidade e estes eram encaminhados aos seus lugares previamente identificados.
Comentou ainda que a cada trinta candidatos havia um fiscal e a cada três salas, um fiscal de apoio, sendo que a maioria deles era composta de funcionários da Anhanguera Educacional, uma vez que a prova foi realizada na unidade valinhense da instituição de ensino superior.
Ele disse também que o Indec não possui nenhuma condenação ou impedimento para a realização de concursos públicos e que por não concordar com a decisão unilateral do Valiprev em cancelar o certame, impetrou mandado de segurança contra esta deliberação, uma vez que todos os contatos eram realizados com o diretor responsável sobre cada passo do processo.
Também disse não achar estranha a aprovação de dois membros da mesma família e que não conhece o ex-vereador Juninho Andrade e que sua única ida ao Valiprev se deu apenas para conversar com o presidente e que os contatos subsequentes ocorreram via e-mail com o diretor responsável.
Prefeitura e Indec
De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura, o Valiprev aguarda as decisões da Justiça para as ações impetradas, tanto por aqueles que passaram no concurso e não podem ocupar os seus cargos, bem como, pelo Indec, que impetrou mandado de segurança contra a autarquia, tal como mencionado acima, visando à validade do certame, para só depois, de acordo com o que estabelecer o Poder Judiciário, tomar as devidas providências.
A Prefeitura coloca ainda que a devolução das taxas pagas por todos aqueles que prestaram as provas, de acordo com o contrato firmado anteriormente para a aplicação destas, ficará a cargo do Indec.
A reportagem buscou ainda respostas com a empresa responsável pela organização do concurso, questionando-a sobre as ações que o Indec tem tomado em relação à anulação do concurso do Valiprev e para torná-lo válido perante a Justiça e para todos os efeitos legais. Também houve questionamentos referentes ao mandado de segurança interposto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), sobre os pedidos nele contidos e a expectativa em relação ao seu julgamento, sobre o que acontecerá com os mais de três mil inscritos prejudicados pelo ocorrido e quais serão as ações que o instituto tomará, caso o cancelamento realmente ocorra, perante a Prefeitura de Valinhos e a Justiça.
Até a publicação da matéria, nenhuma das perguntas realizadas havia sido respondida.
Pena de Reclusão
Fraude em concurso público, de acordo com o instituído pelo artigo 19 da Lei nº 12.550/11, ao artigo 311 do Código Penal, é crime, com pena de reclusão de um a quatro anos, considerando para tal, a utilização ou divulgação, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de concurso público; avaliação ou exame públicos; processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou exame ou processo seletivo previstos em lei.
Sobre o Valiprev
Criado pela Lei nº 4.877, de 11 de julho de 2013, o Valiprev começou a ser planejado em 2010 e teve o projeto de lei que o constituiu encaminhado à Câmara em 2011, cumprindo o Artigo 40 da Constituição Federal, que assegura um regime de previdência contributivo e solidário, mediante contribuição do ente público e dos servidores, observando critérios que preservem o equilíbrio financeiro.
Atualmente, conta com sede própria e realiza o pagamento de aposentadorias e pensões para cerca de 130 servidores e cônjuges. Além disso, concede, em média, 110 auxílios-doença e 15 salários maternidade por mês.
A receita do instituto é provida pelas cotas patronal e dos servidores da Prefeitura, do Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos (DAEV) e da Câmara Municipal.